terça-feira, 17 de novembro de 2009

Just Words

Dedico esse texto a um grande amigo meu.

Seus olhos possuíam um brilho especial, seu nariz era arrebitado, mas eram os lábios que o atraiam. Estudavam na mesma faculdade, seus amigos em comum facilitaram bastante aproximação deles. Ele estava obcecado por ela, tinha que tê-la.
Parecia o mais romântico dos homens, trazia margaridas todos os dias, falava suave e macio, e sempre tinha um casaco para envolvê-la. Tinha certeza de que era invejada pelas outras meninas. Não demorou muito para que ela estivesse de quatro por ele.
No inicio ainda se fazia de difícil, provocava e saia da linha de tirou. Essa postura não durou mais do que dois meses, e ele finalmente conseguiu o que tanto queria. Sim, ela tinha algo especial, e ele gostava dela, mas não era homem de viver na coleira.
O relacionamento continuou, ele ainda tinha a fala aveludada e aquelas palavras doces. Promessas de amor sem fim, declarações inesperadas, e o carinho ainda existia. Mas o celular agora passava a maior parte do tempo desligado, quase não saiam juntos e os amigos nunca sabiam dizer, exatamente, o paradeiro dele.
As discussões simplesmente substituíram o cordial: “Bom dia”. Os argumentos eram sempre os mesmos, ele só se justificava com pequenas desculpas e ela reclamava da falta de consideração dele, de como era impossível acreditar em alguém que age de forma oposta ao que fala. Nada parecia resolver a situação, ela já sabia das inúmeras traições.
Aquela seria a ultima discussão deles, não existia mais relacionamento. A conversa começou difícil e acabou em tom de desabafo. Ele confirmou todas as puladas de cerca, e ela aos prantos só queria entender o porque. Ele, friamente, respondeu: “ Simples, já consegui o que queria de você. Desde o inicio, me apaixonei pela sua imagem e nada além disso. Até gosto do seu jeito, mas é pouco para me prender, e a imagem depois de muito admirada, cansa.”

domingo, 15 de novembro de 2009

Além do Quadro-Negro

Era novo no emprego, tinha alguns anos de magistério. Lecionava História em um colégio só para meninas. Era muito querido por todos os funcionários, e mantinha sempre um limite na amizade com as alunas.
O corpo docente era majoritariamente masculino, e a sala de descanso dos professores parecia, às vezes, um choppinho com os amigos. Falam sobre tudo e de todos. O ano estava apenas começando.
Entrou na sala pisando firme, subiu no tablado e começo o discurso do primeiro dia de aula. Os alunos estavam se apresentando, quando de repente o ranger da porta invade a sala e surge uma aluna nova, visivelmente atrasada e envergonhada.
O dia seguiu sem maiores problemas, e ela logicamente foi o assunto principal na pauta de discussões dos amigos com licenciatura. Tinha uma presença marcante, um rosto delicado e um olhar penetrante. O bolachudo professor de literatura tinha certeza de aquela menina, deveria ser parente da musa inspiradora de Machado de Assis ao descrever Capitu.
Com o passar do tempo, ela se mostrou mais do que um rostinho bonito. Tinha um espírito alegre, falava muito, fazia amizade com todos e raciocinava rápido. Era impossível não se sentir cativado, pelo menos era isso que ele pensava. Todos gostavam dela, mas ele queria ver além do que mostrava. Ela se tornou seu objeto de estudo.
Construíram um vínculo, gostavam das mesmas coisas. Ou ele era imaturo demais para idade, ou ela que era muito madura. Talvez, um pouco dos dois. Conversavam sobre historia, política, religião, música, mas depois que falaram sobre sexo a relação mudou. Tornaram-se íntimos demais.
O objetivo dele ficou bem claro, e o estranhamento entre os dois durante alguns dias era inevitável. Ela era maior de idade, estava no seu último ano de colégio, mas ainda assim não sabia bem como reagir à situação. Dentro de sala existia um distanciamento, mas do lado de fora da porta a situação era bem diferente.
Saíram algumas vezes, ele tinha sido seu primeiro homem. Encontravam-se no intervalo entre uma prova e outra que ele estava corrigindo. Os amigos dele alertavam sobre os perigos de um envolvimento maior, aquela menina era confusão na certa. O professor de francês repetia sempre: “
Est una petit diable! Una petit diable!”
Ele sabia que aquilo não ia acabar bem, ela também sabia, mas continuavam naquele masoquismo. Ela morria de ciúmes, mas não abria a boca para comentar nada. Ele morria de medo do que poderia acontecer. Mesmo assim, quase todo final de semana estavam juntos.
Com o decorrer do tempo, se tornou cada vez mais complicado lecionar para aquela turma. Boa parte da sua atenção era desviada para uma caneta que repousava nos lábios dela a aula toda. Ainda bem que a festa de formatura estava chegando, e logo os vínculos dela com a instituição acabariam.
Finalmente Dezembro chegou, agora estavam no meio de um grande salão, com trajes a rigor para o evento. Ele parecia um astro de Hollywood. Ela estava digna da realeza. Aproveitaram cada momento, mais separados do que juntos. Ele já tinha outra. Ela agora era passado. A festa acabou e com ela o pseudo-relacionamento deles.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Fragmentado

Tinha um espírito vivaz, meio debochado. Sua fala pesava em ironia e sagacidade. Não sabia ser de outro jeito, era sua maneira de se defender do mundo. Era uma pessoa de poucos amigos e poucos problemas aparentes, mas no silêncio de sua mente esperava por uma brisa de otimismo.
Trabalhava muito, era inteligente e viciado
em tecnologia. Dono de um sorriso cativante, apesar de não saber realmente como ser simpático. Tinha dificuldade de se abrir com as pessoas, até com a sua noiva. Fingia não saber o motivo de tanto ostracismo.
No fundo era marcado pelas imagens da sua infância, a separação dos seus pais, a mudança para a casa da sua avó. Era doloroso lembra daquilo, das brigas, das discussões, especialmente, da mão do seu pai no rosto da sua mãe. Aquela cena não saia da sua cabeça, era muito pequeno na época, tinha apenas quatro anos e ao se meter na briga acabou machucado.
Seu pai sumiu no mundo, e doía muito não ter mais a figura paterna por perto. Sua mãe foi em busca do acreditava ser certo, e o deixou com a avó. Ter o carinho daquela gentil senhora, sempre, era provavelmente a razão pela qual ele tinha uma boa índole. Na adolescência voltou a morar com a mãe, mas o pai só reencontrou depois, quando estava na faculdade.
Chorou muito a morte da avó, e agora chorava sozinho, sentando no chão da sala, sem saber exatamente o motivo. Talvez, fosse pelo vazio que sentia no peito. Casou na esperança de se sentir completo, que ela o amava não restava dúvida, mas porque então se sentia tão sozinho. Não achava resposta alguma.
O casamento começou a desandar, não se entendiam mais, não se beijavam mais. Todas as suas palavras eram como alfinetadas aos ouvidos dela. A convivência se tornou impossível, e o divorcio foi inevitável. Ele estava fazendo como seus pais, isso o dilacerava.
Foram assinar os papeis e oficializar a separação. Ele ainda a amava, mas tinha a certeza de que se destino era a solidão. Ela pegou a caneta, com os olhos chorosos, assinou os documentos e lançou: - “Sabe, o problema não foi a falta de amor entre nós. Foi a sua falta de amor pela imagem que vê refletida no espelho todos os dias, amor-próprio entende.” E ele sabia que ela estava certa. Esperava, apenas, aprender o que significava aquilo algum dia.

domingo, 8 de novembro de 2009

Fly me to the moon

O sol parecia cair no seu berço rochoso, Nicolau aproveitou o momento, e com um único golpe, beijou Catharina. Aquele seria um casamento duradouro.” Era mais um final feliz. Ela adorava aquelas historias, cheia de obstáculos e romance, no fundo o seu maior desejo era viver um grande amor.
Tinha potencial para ser uma mocinha de romance, era educada, batalhadora e graciosa. Não morava mais com os pais, buscou a sua independência cedo, começou a trabalhar antes mesmo de entrar para a faculdade e agora, ocupava um desses cargos importantíssimo numa Multinacional. Era uma feminista na estampa, e na alma uma menina.
Saia de relacionamento para outro como quem troca de roupa, pois sempre faltava alguma coisa, talvez as famosas borboletas no estômago. Há uns dois anos não namorava ninguém por mais de um mês, não que seus relacionamentos anteriores fossem mais longos que isso, nada durava mais do que seis meses. Ela simplesmente se cansava, e eles não pareciam mais encantadores.
O problema é que ela esperava por um homem que fosse perfeito, agradável sempre, inteligente, carinhoso em cada toque. Ela esperava um verdadeiro lorde inglês. Mas os homens que habitam a sua imaginação e as páginas dos seus romances favoritos, não se parecem em nada com os homens de verdade.
Sua única companhia masculina, constante, era o seu gato Angorá, Bartolomeu. Só ele suportava os delírios românticos da sua dona. Só ele dormia na sua casa mais do que seis meses. Só ele aquecia seus pés nas noites frias.
Depois de muita insistência das amigas, resolveu tentar conhecer o seu futuro amor pela internet. Horas e horas em frente ao computador, entrando e saindo das salas de bate-papo, diversos encontros e nada de encontrar o seu homem sem rosto.
Esqueceu da vida pessoal por algumas semanas, um grupo de acionistas viria da Alemanha, país sede da Multinacional. Eram oito pessoas, grupo majoritariamente masculino, e um deles se destacava pela petulância. Foram dias e noites, presa na sala de reuniões, se alimentando mal, e ouvindo aquele homenzinho resmungar.
Quando os principais pontos da pauta foram solucionados, os encontros formais diminuíram. Uma grande festa estava por vir, visando uma possível fusão, e logicamente, aquele homem arrogante estaria presente. Não sentia a menor vontade de ir, mas sabia que tinha um dever a cumprir. Colocou o salto alto, se olhou no espelho, e se sentiu pronta para conquistar o mundo no vestido vermelho.
A noite estava quente, e tempo parecia não passar. Tudo que ela queria era ir embora, quando de repente, alguém sentou do seu lado no bar. Era ele, rude como sempre, mas encantador como nunca. Começaram a conversar e no dia seguinte acordaram juntos, para a surpresa de ambos.
O grupo iria embora, no máximo em três dias, e eles aproveitaram todas as noites juntos. Ela tinha certeza de que era ele, mesmo estando longe de ser perfeito. Na noite de despedida, ainda entre os lençóis, ela derramou duas lágrimas e ele apenas disse aquelas três palavras mágicas: - “Ich liebe dich”. Pouco depois foi embora. Só sossegou, pois sabia que no ano seguinte o grupo voltaria para a fusão.
Aqueles foram os doze meses mais longos da sua vida, e finalmente ela poderia vê-lo de novo. O grupo agora tinha nove pessoas, e uma delas era a esposa do seu príncipe. Eram recém-casados, e menininha dos olhos azuis quis aproveitar para viajar. Ela não podia acreditar no que estava vendo, sentiu como se alguém tivesse socado o seu estômago, e ele sabia que aquela não seria uma situação fácil de lidar.
Tanto fez que conseguiu falar com ela, sentiu uma frieza já mais vista. Apenas queria esclarecer a situação, a loirinha dos cabelos cacheados era sua noiva muito antes dele sonhar
em conhecê-la. Era um homem de palavra, casou mesmo estando apaixonado pela mulher que não via há um ano. Ela encheu o peito e deu uma única resposta: - “Sinto muito por você”.
A fusão ocorreu perfeitamente, ele não acompanhava mais o grupo, e fazia três longos anos que não se viam. Ele se transformou numa doce lembrança e ela continuou com a vida que tinha. Agora era só mais uma noite que passava em casa com o Bartolomeu, quando ouviu um barulho do lado de fora do prédio e foi descobrir do que se tratava.
Era ele, implorando para o vigia para entrar. Não podia acreditar no que estava vendo, assim que ele a notou correu para debaixo da sacada, e exclamou uma única vez: - “Eu não estava brincando com falei que te amava”. Era o seu final feliz, mais verdadeiro e sincero do que o ponto final de todos os romances que havia lido.

sábado, 7 de novembro de 2009

Solitary Man


O apartamento ainda não tinha o seu jeito, cheirava a naftalina. No chão, uma imensa faixa de poeira e alguns arranhões nos tacos de madeira. Mas, era impossível negar, o lugar tinha estilo. Assim como o seu mais novo proprietário.
Era um homem elegante, intelectual, charmoso e peculiar. Tinha dinheiro para dar e vender, e ainda assim, quis aquele apartamento. Tentava não se apegar as pessoas, mas aos bens materiais, pois esses retribuíam ao seu amor funcionado e não o magoavam jamais. Vivia preso a uma postura de superioridade, não por se achar superior, mas porque conviver era muito difícil.

Chegava sempre em horários alternados, aos olhos alheios não parecia trabalhar como todos outros mortais. Ele não precisava, pois tinha herdado tudo, mas gostava de trabalhar. Era a sua válvula de escape. Em algum momento, em um lugar distante no passado, esboçava sorrisos todos os dias. Depois do acidente, nada foi como era antes.
Há cerca de oitos anos, quando voltava de um Baile de Máscaras, insistiu na estúpida idéia de dirigir. Sua mulher implorou para que não o fizesse, mas de nada adiantou, sua teimosia ignorava os sons ao redor. Havia bebido umas quatro garrafas de champagne, estava no auge da sua carreira como escritor, e até aquele momento não sabia, mas seria pai. Desobedecendo a todos, entrou no carro, segurou o volante e dirigiu para a fatalidade.
Fechou os olhos por alguns segundos, tempo suficiente para bater de frente com um caminhão. Sua mulher, que estava no banco do carona, morreu a caminho do hospital e o bebê, segundo os médicos, havia morrido no impacto do acidente. E ele, sobreviveu para sofrer, pelo menos era isso que achava.
A dor que sentia ao longo da fisioterapia, não se comparava a tristeza que o consumia todas às noites. Quando recuperou o movimento das pernas, viajou para esquecer o acidente, a mulher, a culpa e o rosto do filho que nunca iria conhecer. Vendeu a casa, se afastou das pessoas que mais o amavam, dentre elas, a sua irmã caçula que o admirava como a um pai. Descobriu o inevitável, era impossível apagar o passado com uma borracha.
Agora, estava sozinho de vez, sentando entre os livros, relembrando o passado e fingindo não chorar. Era véspera de natal, e essa época do ano era a mais complicada de lidar, pois vinha de uma família tradicional que cultuava esses costumes. O telefone tocou, levantou abruptamente, sem saber ao certo o que fazer. Afinal, ninguém tinha aquele número.
Optou por atender, e para sua surpresa maior era o advogado da família. Sua irmãzinha havia morrido, quando o helicóptero em que estava caiu em mar aberto. Ela e o marido. Ele logo lembrou que ela não sabia nadar e detestava quando ele a forçava a tentar aprender. A ligação não era apenas para informar sobre a morte, mas para pedir a sua presença imediata para a leitura do testamento.
Não entendeu muito bem a historia do testamento, mas foi sem questionar isso, pensando apenas na tragédia e como seria olhar para os seus pais de novo. A casa continuava a mesma, o mesmo jardim e a mesma decoração. Seu pai não podia acreditar que ele estava ali, se abraçaram sem falar nada. E a mãe mal podia acreditar no que estava vendo, se juntou aos dois, e apenas choram pela pequena que agora não estaria mais com eles.
O advogado chegou, explicou como funcionava o processo, e começou a leitura. A presença dele era de suma importância, pois a sua sobrinha deveria ficar, exclusivamente, sobre a sua tutela. A avó paterna reclamou, achava aquilo um absurdo, ele era um homem recluso do mundo. Já não sabia mais o que responder, nem sabia da existência dessa sobrinha.
Nesse momento adentra à sala uma menininha de cinco anos, que corre para os braços do tio e diz:- Mamãe me falou muito de você tio, de como você escreve coisas mágicas e de eu nunca estaria sozinha se estivesse com você. Era impossível negar o ultimo pedido da sua irmã. Aquele foi o pior Natal e melhor presente.

domingo, 1 de novembro de 2009

Peut-être

Tinham se conhecido sem querer, era mais uma tarde fria de inverno e ambos foram aquecer a alma entre as páginas, na biblioteca. Ela procurava a sessão de suspense, quando passou ligeira, levando consigo o ombro dele. Por um breve instante, os olhares se cruzaram. Ela envergonhada pediu desculpas, e ele encantado começou a conversar.
Todos os dias se viam, tinham tanto em comum, e ao mesmo tempo, eram de mundos totalmente diferentes. Ela tinha acabado de fazer dezoito, e ele já beirava os trinta e cinco. Cada momento juntos, era um verdadeiro deleite, uma grande diversão. Ele tentava ensinar sobre a vida, sobre as dificuldades, e ela tentava mostrar o melhor do mundo, arrancando os mais belos sorrisos de sua face.
Com o passar do tempo, tinham construído alguma coisa. Os abraços se tornaram cada vez mais apertados e as despedidas mais tristes. E a saudade estava sempre presente, como um grande nó na garganta. Ele já não tinha mais família, ela vivia com o pai. A solidão era sempre a melhor companhia deles, até se conhecerem.

Agora era tarde demais, as paredes pareciam observar os dois. O quarto era pequeno, ela tinha aquele olhar, deliciosamente ingênuo e convidativo. O seu corpo parecia clamar por uma atitude dele. Ele queria muito conseguir se mexer, mas suas mãos não obedeciam a qualquer comando. Ela tinha um olhar tão penetrante que parecia hipnotizar, e ele tinha um sorriso suave e malicioso.
O vento então se encarregou de aproximá-los, pela janela aberta, a brisa entrou, balançou os cabelos dela e fez uma alça do vestido descer timidamente. O silencio era cortado pelo som estridente dos corações. Ele se aproximou para levantar aquela alça atrevida, estava tão perto daquele rosto angelical que podia ouvir a sua respiração ofegante. Subitamente, ela se inclinou para ele e se soltou nos seus braços.

Se beijaram, se abraçaram, se amaram. Naquele dia, e em todos os outros que se seguiram. Trocaram as mais belas e sinceras palavras. Não podiam mais viver as escondidas. Ele a queria sempre e para sempre.
O pai dela não quis aceitar, sua pequena criança não podia amar mesmo aquele homem, aquele que já tinha barba e uma bagagem de vida nas costas. Os amigos dele também não podiam acreditar, ela mal tinha saído dos cueros. Tentaram se afastar, meses sem se ver. Era inútil, um já não podia mais viver sem o outro.
Decidiram enfrentar todos os obstáculos que estavam por vir. Tinham defeitos, a diferença de idade às vezes dificultava a convivência. Ela se mudou para a casa dele, aprendeu a cozinhar e seu passatempo favorito era mimá-lo. E ele, passava horas apenas olhando para ela e nas noites frias se fazia de casaco. Sim, eles foram felizes para sempre

"Pra frente Brasil, no meu coração"

Não discutia política, nem religião, gostava mesmo era de futebol, de um barzinho, um copo cheio e um violão. Tinha vivido a boa época da Bossa Nova, assistiu as loucuras de Jânio Quadros no poder, ao comício de Jango e o tomada de poder pelo militares.Até aquele momento, achava que nada iria mudar.
No inicio, a boêmia era a mesma, mesa cheia de amigos, muitos copos vazios, risos sem fim e a leveza na alma de poder compor sem medo, como forma de expressar o que se passava dentro do peito. Os dias foram passando, as noites não tinham mais o mesmo brilho e nos rostos, a expressão marcava o que ainda estava por vir.
O mundo vivia uma guerra que faz jus ao nome, guerra fria, e era uma época fria. As pessoas desconfiavam umas das outras, era um período difícil para as idéias, e qualquer observação social ganhava logo a alcunha de comunista.
Compor se tornou perigoso, a liberdade se tornou restrita, e entender de política se tornou algo fundamental para sobreviver. Vivia na mira dos porretes e tinha seus passos vigiados de perto. Quando o Castello ruiu, os protestos eram constantes, de repente se viu perdido no meio de uma passeata, ele e mais cem mil. O governo demonstra sua força, e decreta o pior dos Atos Institucionais, naquele dia de Dezembro, ficou claro quem mandava.
O país vivia de ponta cabeça com o seqüestro de
Charles Elbrick, os dias de confusão não tinham mais fim. E o grande feito daquela Junta, foi a morte de Mariguella. Viu seus amigos “sumirem”, suas músicas serem censuradas, e sua família chorar cada vez que saia de casa. Pensava que nada mais podia piorar, mas estava errado, os “anos de chumbo” provaram isso com maestria.
Muitos professores, políticos, músicos, artistas e escritores foram investigados, presos, torturados e exilados do país. Ele tinha sido apenas mais um. Chorava pela sua pátria todos os dias, era tanto pesar no peito. Se tivesse lutado mais, se tivesse tentado mais, talvez algo fosse diferente.
Nessa tristeza que tomava todos os seus pensamentos, passou a relatar o que tinha sido, o que era e o que gostaria que fosse. Sua viagem forçada durou pouco, e fechou os olhos antes mesmo de ver o Brasil ganhar a maravilhosa copa de 70.