sábado, 7 de novembro de 2009

Solitary Man


O apartamento ainda não tinha o seu jeito, cheirava a naftalina. No chão, uma imensa faixa de poeira e alguns arranhões nos tacos de madeira. Mas, era impossível negar, o lugar tinha estilo. Assim como o seu mais novo proprietário.
Era um homem elegante, intelectual, charmoso e peculiar. Tinha dinheiro para dar e vender, e ainda assim, quis aquele apartamento. Tentava não se apegar as pessoas, mas aos bens materiais, pois esses retribuíam ao seu amor funcionado e não o magoavam jamais. Vivia preso a uma postura de superioridade, não por se achar superior, mas porque conviver era muito difícil.

Chegava sempre em horários alternados, aos olhos alheios não parecia trabalhar como todos outros mortais. Ele não precisava, pois tinha herdado tudo, mas gostava de trabalhar. Era a sua válvula de escape. Em algum momento, em um lugar distante no passado, esboçava sorrisos todos os dias. Depois do acidente, nada foi como era antes.
Há cerca de oitos anos, quando voltava de um Baile de Máscaras, insistiu na estúpida idéia de dirigir. Sua mulher implorou para que não o fizesse, mas de nada adiantou, sua teimosia ignorava os sons ao redor. Havia bebido umas quatro garrafas de champagne, estava no auge da sua carreira como escritor, e até aquele momento não sabia, mas seria pai. Desobedecendo a todos, entrou no carro, segurou o volante e dirigiu para a fatalidade.
Fechou os olhos por alguns segundos, tempo suficiente para bater de frente com um caminhão. Sua mulher, que estava no banco do carona, morreu a caminho do hospital e o bebê, segundo os médicos, havia morrido no impacto do acidente. E ele, sobreviveu para sofrer, pelo menos era isso que achava.
A dor que sentia ao longo da fisioterapia, não se comparava a tristeza que o consumia todas às noites. Quando recuperou o movimento das pernas, viajou para esquecer o acidente, a mulher, a culpa e o rosto do filho que nunca iria conhecer. Vendeu a casa, se afastou das pessoas que mais o amavam, dentre elas, a sua irmã caçula que o admirava como a um pai. Descobriu o inevitável, era impossível apagar o passado com uma borracha.
Agora, estava sozinho de vez, sentando entre os livros, relembrando o passado e fingindo não chorar. Era véspera de natal, e essa época do ano era a mais complicada de lidar, pois vinha de uma família tradicional que cultuava esses costumes. O telefone tocou, levantou abruptamente, sem saber ao certo o que fazer. Afinal, ninguém tinha aquele número.
Optou por atender, e para sua surpresa maior era o advogado da família. Sua irmãzinha havia morrido, quando o helicóptero em que estava caiu em mar aberto. Ela e o marido. Ele logo lembrou que ela não sabia nadar e detestava quando ele a forçava a tentar aprender. A ligação não era apenas para informar sobre a morte, mas para pedir a sua presença imediata para a leitura do testamento.
Não entendeu muito bem a historia do testamento, mas foi sem questionar isso, pensando apenas na tragédia e como seria olhar para os seus pais de novo. A casa continuava a mesma, o mesmo jardim e a mesma decoração. Seu pai não podia acreditar que ele estava ali, se abraçaram sem falar nada. E a mãe mal podia acreditar no que estava vendo, se juntou aos dois, e apenas choram pela pequena que agora não estaria mais com eles.
O advogado chegou, explicou como funcionava o processo, e começou a leitura. A presença dele era de suma importância, pois a sua sobrinha deveria ficar, exclusivamente, sobre a sua tutela. A avó paterna reclamou, achava aquilo um absurdo, ele era um homem recluso do mundo. Já não sabia mais o que responder, nem sabia da existência dessa sobrinha.
Nesse momento adentra à sala uma menininha de cinco anos, que corre para os braços do tio e diz:- Mamãe me falou muito de você tio, de como você escreve coisas mágicas e de eu nunca estaria sozinha se estivesse com você. Era impossível negar o ultimo pedido da sua irmã. Aquele foi o pior Natal e melhor presente.

4 comentários:

  1. Ouvi o conto antes dele ser publicado *-*
    Show de bola. Parabéns, Erika !
    Incrível mesmo .. beeeeeeijos, Natalie.

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  2. caraca sacagem com cara, sinto pena dele, vida desgraçada dele, no final ainda tem que cuidar fedelha, se tivesse lugar dele suicidio seria melhor amigo... sei nem que falar deprimido de mais agora

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  3. Os comentários citados acima já disseram tudo.
    Meus parabéns Erika!!!
    Ficou muito bom o seu trabalho.
    Tente trabalhar pensando, já, nas futuros oportunidades na vida pós acadêmica.
    Pegue opniões de profissionais e vá em frente.

    Bjssss...

    Rafael

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  4. Ate agora um dos meus prediletos, me lembra a outros escritores. Sei que o pesadelo de qualquer artista é ser taxado de copiador ou sua obra de plágio, mas influências são praticadas e não problema nenhum e se deixar levar por um estilo ótimo de escrita.
    Sei que sou chato por ser um dos seus leitores mais críticos, mas saiba que faço isso porque quero ver o teu melhor potencial.
    Pode contar sempre com as minhas criticas e elogios hein.
    Do seu leitor assíduo
    Caio

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